Coluna publicada na Tribuna do Norte, edição de 29 de junho de 2016.
Woden Madruga
ABC – 101
O ABC Futebol Clube, faz hoje, dia consagrado a São Pedro, 101 anos. Leio numa das esquinas da internet que será celebrada missa às 18 horas num dos espaços do Frasqueirão (Estádio Maria Lamas Farache). Depois, certamente, forró. Ou coisa parecida. Procuro nas estantes o livro de Adriano de Souza que conta a história do ABC. Aí me lembrei que o poeta ainda não publicou o livro que escreve há alguns anos. Era para ter saído em 2015, ano do centenário. Certamente na volta do clube a Série B que acontecerá no segundo semestre pegaremos seu autógrafo. O clube vai bem na Série C. Esta semana deverá passar pela porteira do G-4.
Já que não encontrei o livro de Adriano, fui me socorrer de Procópio Neto (José Procópio Filgueira Neto) e Everaldo Lopes, jornalistas, que publicaram livros sobre os esportes no Rio Grande do Norte, contando as histórias dos clubes e dos atletas. O livro de Procópio Neto é “Os Esportes em Natal”, publicado em 1991; o de Everaldo, “Da Bola de Apito ao Apito Final”, saiu em 2006. Os dois contam direitinho, cada um com seu sotaque, como foi fundado o ABC. O clube nasceu na Ribeira ao lado de ótima vizinhança: no sitio de coronel Avelino Alves Freire, fundos do então Teatro Carlos Gomes.
Ao registrar a fundação do ABC, Everaldo Lopes faz um passeio gostoso pela cidade de Natal daquele tempo, década de 1910, o bairro da Ribeira o principal polo de convergência da aldeia, seu comércio ativo, seus primeiros jornais, o primeiro cinema, os bares da moda, o começo da Escola Doméstica, os bondes descendo e subindo a Junqueira Aires, a estação do trem (Great Western) olhando para a Praça Augusto Severo. Everaldo vai dizendo:
– Era apenas uma ideia que começava a prosperar. Embora sem um local definitivo, as reuniões geralmente aconteciam na residência do coronel Avelino Alves Freire, na Ribeira, próxima ao final da avenida Rio Branco, precisamente nos fundos do ainda teatro Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão). A notícia logo chegou aos ouvidos de outros rapazes que, de imediato, formaram um segundo grupo e, assim, já não apenas um segundo grupo, porém dois (…)
Procópio Neto conta a sua história:
– Fundado em 29 de junho de 1915 por José Potiguar Pinheiro, José dos Santos, João Emiliano Freire, José Cabral Macedo, Manoel Avelino, Júlio Meira, Avelino Alves Freire, Avelino Alves Freire, Luiz Nóbrega, Manoel Moura, Alexandre Bigois, Francisco Mocotó, Solon Aranha e outros, na casa da av. Rio Branco, por traz do Teatro Carlos Gomes, o ABC FC é o clube mais antigo em atividade.
O mestre Luís da Câmara Cascudo, que não era muito chegado ao futebol, também anotou a fundação do ABC. Está numa de suas Actas Diurnas, publicada em 19 de fevereiro de 1959 no jornal A República, na qual ele começa a contar como o futebol chegou em Natal, a primeira bola de couro trazida da Europa pelos irmãos Pedroza: Fernando, Fabrício, Raul e Ramiro. Isso foi em 1903. Cascudo diz que o futebol foi jogado aqui pela primeira vez no espaço onde hoje é a Praça André de Albuquerque (A Praça da Matriz). Depois passou a Praça Pedro Velho, hoje maculada com o nome de “praça cívica” pelos desinformados da imprensa. Adiante, Cascudo escreve:
– O ABC e o rival América Foot Ball nasceram ambos em 1915. Doze anos depois do “bate-bola” na Praça André de Albuquerque.
O campo do ABC
Aonde encontro muita anotação preciosa sobre a história do futebol em Natal é no livro de memórias de Jaime dos G. Wanderley, “É Tempo de Recordar”, edição modesta da Fundação José Augusto, de 1984, o autor andava por aí nos oitenta anos de idade. A história verdadeira de como surgiu o Estádio Juvenal Lamartine, que começou sendo um campo do ABC. Tem muita gente, metido a saber das coisas, que não conhece esse fato. Jaime conta tintim-por-tintim:
– Por volta de 1920, o ABC F. Clube tentava realizar um jogo interestadual, do mesmo modo que anteriormente fizeram os dirigentes do América F. Clube, convidando o Santa Cruz F. Clube de Recife e com ele medindo forças na “campina (Praça Pedro Velho) único campo existente na cidade, porque a Rua Grande (Praça André de Albuquerque) primeiro “field”, onde eram realizadas “peladas infantis” e de onde nasceu o futebol natalense, ficara de fogo morto, com a preferência dada pelos clubes ao campo da Praça Pedro Velho.
– Porém, o “tabuleiro arenoso” daquele local estava quase imprestável, cheio de buracos, de leirões e cortado por diversos caminhos de pedestres. Procurou, então, a diretoria do ABC F. Clube outro local mais apropriado, para a realização do “match”, sem, todavia, o encontrar de pronto.
– Tempos depois, através de informações de uns pegadores de passarinhos, Vicente Farache veio a saber, que havia na Solidão (Tirol) um terreno devoluto, que seria ideal para a feitura de um campo de futebol. O próprio pertencia ao Cel. Romualdo Galvão, um dos latifundiários da cidade.
-Informado seguramente da existência do terreno, Vicente Farache, José Paes Barreto e José Potiguar Pinheiro, diretores do alvi-negro, foram parlamentar com o velho Romualdo, homem digno, cidadão probo e honrado, pertencente a melhor sociedade natalense, porém retrógado, na sua maneira de pensar e intransigente, no seu modo de sentir. (….)
Bom, quem quiser saber de como terminou essa história procure nas páginas do livro de Jaime dos G. Wanderley que, mais adiante, acrescenta:
– Assim, ficou o ABC com o patrimônio concedido pelo benemérito conterrâneo (…) Anos depois, tendo sido fundada a Liga Norte-Rio-Grandense de desportos, o “alvi-negro” fez-lhe entrega do campo, para que ficasse sob a sua guarda (…) Somente em 1928, no Governo Juvenal Lamartine, o prof. Luís Soares de Araújo, então presidente da Liga de Desportos e figura prestigiosa na administração estadual, conseguiu com o Chefe do Executivo auxílio para ampliação do campo, murada e arquibancada.
Jaime, o príncipe
Jaime dos Guimarães Wanderley (06-07-1897/24-02-1986), jornalista, poeta, dramaturgo, professor, seresteiro, formado em Farmácia. Nasceu no Sobradinho (Véu de Noiva) histórico da rua da Conceição, onde abriga o Museu Café Filho, fechado há anos, numa prova eloquente do apego do governo do Estado à cultura. Jaime fez parte da patota de Luís da Câmara Cascudo no “Principado do Tirol”, quando o historiador, na sua juventude, ainda morava com os pais no solar da Jundiaí com a Rodrigues Alves. Jornalista, foi secretário de redação de A República e nos encontramos mais na frente no Jornal de Natal, de Djalma Maranhão. Escrevia uma coluna com o pseudônimo de Paraguassu.
Jaime também jogou futebol. No ABC e no América. Era beque. Ele conta:
– Integrei durante dois anos à falange americana, ao tempo em que o time usava as cores primitivas, ocupando a posição de “Back”, ao lado do grande zagueiro que foi Aguinaldo Tinoco. Transferi-me depois para o ABC F. Clube, a cujo esquadrão servi durante cinco anos, jogando naquela mesma posição. ”
O ABC já foi um time de poetas: Jaime dos G. Wanderley, Albano, Jorginho, Alberi.